terça-feira, 15 de maio de 2012

Para refletir

É importante questionarmos as situações que vivenciamos, para formarmos opiniões e reivindicarmos mudanças. Sofremos com a falta de reconhecimento da profissão e a constante tentativa de valorização deste trabalho intelectual que é a arquitetura e o design. Creio que a evolução do ensino superior está atrelada às melhorias nos ensinos de base, desde os primeiros anos da escola. Mas aí entramos na política....

Ensino de arquitetura: o Brasil perdeu o rumo?
Trechos do artigo retirado da Revista AU, edição de fevereiro de 2011, por Carlos Leite

O ensino de arquitetura no Brasil não vai bem. Em um País que soube se inserir entre as principais potências da arquitetura mundial com obras de excelência e com a construção de uma escola nacional, é surpreendente o panorama do ensino atual. Minha argumentação sustenta-se em seis questões essenciais:
1. Vive-se uma massificação na educação superior do País e o ensino de arquitetura infelizmente não é exceção. Massificação com mediocrização. 197 escolas cuja qualidade média é baixa. Uma falácia da pseudodemocratização do ensino superior cuja face real é a transformação do ensino em negócio de alta e fácil lucratividade. Abrem-se escolas, faculdades e universidades como se abrem padarias no Brasil de hoje. (...) Se a questão é atender uma demanda crescente, não seria mais interessante as boas e mais tradicionais escolas de arquitetura (públicas e privadas) oferecerem mais vagas em vez de essas vagas serem ofertadas por escolas ordinárias que se espalham pelo País?
2. Há uma burocratização dispersiva do ensino de arquitetura que leva perigosamente à ignorância. Excesso de normas e regras que culminam em um sistema que se pauta, essencialmente, por uma postura meramente tarefeira cujo sintoma maior é o excesso de disciplinas onde "mais" tem sido "menos". O tão comentado currículo mínimo é mínimo mesmo na maioria das escolas e leva ao excesso burocrático. Nas melhores escolas do mundo um termo (ou semestre letivo) possui quatro ou cinco disciplinas. Por aqui são 10, 13 disciplinas. Resultado: tarefismo com pouco conteúdo e alunos dispersos. O segredo por lá: os estúdios (ateliês de projeto) recebem professores de diferentes conteúdos e enfoques, não apenas o professor de projeto. (...) Mas há um excesso de compartimentação, e conteúdos teóricos e práticos podem e devem andar juntos.
3. Quase não se construiu no Brasil modelos diferenciados de escolas de arquitetura. Ao contrário dos países com forte tradição de ensino de arquitetura, por aqui as escolas homogeneízam-se. Num país continental e rico em diversidade isso é contrário à emergência de riqueza cultural e educacional. Pouquíssimas escolas possuem alguma identidade própria forte, diferenciada, ligada ao seu contexto, tradição de pensamento e cultura locais, de currículos diferenciados e específicos.
4. Praticamente não há espaço para a experimentação. Investigação como fonte de construção do saber arquitetônico, inovação, especulação consequente de ideias, pesquisa em projeto/projeto como pesquisa, enfim, são posturas não incentivadas de modo geral. "Design thinking" ainda é incipiente em nossas escolas. Não há escola por aqui que se paute como investigativas, diferentemente dos maiores centros internacionais onde sempre há "a" escola onde investigar é a pauta essencial, até para contrapor-se às demais, de postura mais técnica ou tradicional. (...) Para cada escola mais tradicional, completa, pautada pelo rigor da técnica, há uma escola especulativa, experimental. Aqui criou-se um falso dilema entre ambas e quase eliminou-se o segundo enfoque, mais investigativo. Ficamos mancos.
5. Falta de rigor. Como tanta coisa no Brasil, há uma carência de postura ética pautada pelo rigor e seriedade no ensino, seja por parte dos gestores institucionais, dos professores ou dos alunos. (...) "O sujeito que estuda é solapado, a expressão "cdf" é trazer para baixo aquele que está lá em cima, para ver se deixam-se todos medíocres", disse em um discurso Fabio Barbosa, presidente do Grupo Santander. (...) Meritocracia, lá fora, é bem-vinda. Vale para os melhores alunos que recebem prêmios por isso, vale para os melhores professores, que são valorizados e disputados pelas melhores escolas. Vale para as melhores escolas que são mais concorridas e recebem mais verbas para ensino e pesquisa. Para isso há critérios objetivos e transparentes baseados em mérito. Não há medo de rankings e avaliações sistemáticas e de resultados. Isso na Europa, Japão, Canadá, Austrália e Estados Unidos, onde as escolas (em todos os níveis, inclusive graduação) são ranqueadas anualmente e essas informações são públicas. "Em Harvard a moeda corrente são suas notas. Pouco importa seu pedigree. Para compensar esse recém-adquirido sentimento de inferioridade, você acaba estudando o tempo todo", relata Gustavo Romano, com mestrado em direito realizado na Universidade de Harvard, em depoimento à Folha de S. Paulo (16/09/2010). É parte intrínseca do rigor que imputa qualidade ao sistema. É democrático perante a sociedade que, ao final das contas, paga pelo ensino (direta ou indiretamente).
6. Novos enfoques e olhar abrangente. As escolas deveriam ser sempre organismos vivos que se atualizam, mantêm-se minimamente flexíveis e permeáveis à inter e à multidisciplinaridade, além de novas demandas. Dois exemplos recentes: enfoques sobre a produção imobiliária (Real Estate, como se tem em tantas escolas no mundo) e sustentabilidade na arquitetura e urbanismo (Green Design). (...) Trata-se, afinal e inclusive, de oportunidade rica de revalorização do profissional arquiteto e urbanista na sociedade: desenvolvimento sustentável, a sério, é o maior desafio do planeta no século 21 e a nossa profissão pode fazer muita diferença no cenário.
(...)
Assim, vivemos hoje uma situação perigosa. Escolas de arquitetura que estão mais para fábricas de expedir diplomas do que para formar pensadores de construir cidades e edifícios.
(...)
À massificação do ensino no Brasil alia-se outro fator agravante: a ausência de exame de ordem.
Nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido o exame de ordem não apenas existe, como é rigorosíssimo. Nos Estados Unidos, o futuro arquiteto estuda, em média, seis anos em período integral (essa balela de estágio enquanto se estuda é outro vício pernóstico nosso), para posteriormente ser trainee na práxis (mercado ou setor público) e, então, submeter-se ao exame de ordem: exaustivo, realizado em vários dias de provas e com média de reprovação de 70%.
Resumo da ópera: não é fácil nem para qualquer um tornar-se um arquiteto ou urbanista nesses países. Exige muito estudo, seriedade, rigor. Suor, lágrimas e paixão. A recompensa? Reconhecimento da sociedade. A profissão é valorizada, porque não é mediocrizada. (...)


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